A MASCARA E A PANDEMIA - Leo Buso

A MASCARA E A PANDEMIA

O psiquismo é composto por consciência e inconsciente. Nossa consciência, tem uma visão circunscrita de nossa totalidade, pois é orientada para o ambiente externo, numa compreensão literal, reduzida e excludente. Possui um determinismo de ordem pratica que avalia, interpreta e julga, organizando pensamentos e sentimentos, com seus recursos limitados e disponíveis, na esfera da vontade, orientação e razão. 

O ego é o centro deste campo consciente, nos dando o sentido de identidade e existência. Mas como parte apenas da consciência, o ego não contempla todos os conteúdos psíquicos, especialmente àqueles do inconsciente.

A primazia do ego sugere que o indivíduo opere pelas certezas confiáveis e pela unilateralidade, das quais estão somente aceitos os princípios, ideais e valores que estejam em consonância com os padrões concebidos socialmente. Excluindo, portanto, quaisquer possibilidades que não atendam os moldes sociais aceitáveis pelo ego. 

Esta situação mobiliza bastante energia psíquica para combater os antagonismos naturais, humanos e universais, na tentativa de adaptar este ego ao desempenho das funções sociais e culturais de uma determinada sociedade. 

É neste anseio, que o ego adota uma personalidade mais adaptativa às regras sociais e aos conceitos morais de uma sociedade, imprimindo uma roupagem mais favorável, designada por Jung como persona, com o intuito de ser aceito e acolhido.

A persona é a “máscara” que o indivíduo constitui com elementos que atendem às expectativas e determinações coletivas. Jung a define como “ A persona é um complicado sistema de relação entre a consciência individual e a sociedade. É uma espécie de máscara destinada, por um lado, a produzir um determinado efeito sobre os outros e por outro lado a ocultar a verdadeira natureza do indivíduo”. 

Precisamos também pontuar que a “máscara” é importante para a sobrevivência humana, principalmente no desenvolvimento inicial do indivíduo, como fator de proteção às vulnerabilidades externas e internas que um indivíduo está suscetível. Se trata aqui de uma estruturação inicial para condições mais adaptativas na sociedade, porém restrita a uma visão limitada, que camufla a verdadeira personalidade. Esta adaptação é dada pela persona como uma identidade social de uma imagem auto idealizada.

Pois bem, esta é a sociedade em que estamos inseridos, onde valores externos são exaltados, glorificados e as conquistas materiais, metas, números são amplamente solicitados nos ambientes sociais e empresarias. Onde um nome, título, posição ou desempenho de uma função tem muito mais reconhecimento, não só pelo meio, como para o próprio indivíduo, do que a dialética com o inconsciente, com a própria totalidade, com a sua individuação.

O mundo exterior convida à identificação com a nossa persona, com nossa máscara, e aí está o perigo, pois este caminho tentador, impossibilita a conexão com a vida interior e com as múltiplas facetas de nossa personalidade, empobrecendo a consciência e o contato com outros aspectos próprios e fundamentais, muitas vezes, negados por nós mesmos.

O ideal de ego moldou comportamentos, habilidades, crenças e nossa própria identidade, nos ambientes em que percorremos. E nós não nos apercebemos disso. Ao longo do tempo operamos nesta unilateralidade da persona fascinada e sensível ao ambiente social, impedindo o ego de penetrar às camadas do inconsciente, para experiências mais profundas da sua própria psique.

E de repente, em uma situação inédita configurada pela pandemia, somos convidados a utilizar literalmente a máscara como proteção, nos remontando ao mecanismo e dinâmica inconsciente da persona, só que agora constelados materialmente em nossas vidas.

Podemos continuar com a percepção exclusiva da consciência e ajuizar a máscara, neste momento, inteiramente e literalmente, como um aparato de proteção à COVID. Ou podemos perceber este quadro também pelo viés metafórico, como uma porta do inconsciente que nos atualiza deste conteúdo psíquico, nos convidando a descortinar e reconhecer a persona, para que o ego possa enveredar pelo inconsciente, onde as polaridades são consideradas.

Não estamos dizendo que devemos nos despojar de nossa persona, mas sim, para não nos identificarmos com esta máscara social e sua unilateralidade, que vê apenas partes de nós mesmos, especialmente aquelas que aceitamos, abrindo espaço para ego e self atuarem unidos na individuação do sujeito, no encontro com a nossa totalidade.

Poderíamos entender que a máscara social, a persona, agora compulsoriamente materializada em nosso comportamento com a máscara de proteção ao COVID, reflete o que há muito tempo estamos fazendo sem consciência: utilizando um mecanismo de proteção social. Só que agora isto está escancarado em nosso rosto. Até quando vamos ignorar este fato?

Palestrante e Trainer em Desenvolvimento Humano, Psicoterapeuta, CEO da Spaço Quality (Gestão da Qualidade de Vida do Trabalhador e EKZISTI (Desenvolvimento Humano).

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