O poder do feminino na organização psíquica do homem e seus impactos nos relacionamentos afetivos - Leo Buso

O poder do feminino na organização psíquica do homem e seus impactos nos relacionamentos afetivos

Culpamos a cultura por sustentar e estimular, desde as sociedades industriais, uma dinâmica patriarcal, onde o princípio do feminino, restrito à obediência e sacrifício, é submetido ao poder do homem, autoridade das tarefas e responsabilidades vinculadas aos valores de defesa, trabalho e sustento financeiro.

O homem torna-se senhor absoluto na dinâmica pública e também familiar, mesmo na ausência de sua alma nas inter-relações parentais.

Tal condição, aparentemente imposta pela cultura, coloca o homem num papel que ele deve honrar e desempenhar com rigor e sem fraquejo, incitando expectativas restritivas que acabam governando a sua vida e, despertando também o medo de não estar à altura do que se espera dele, da provação física ou psicológica. E qualquer forma de fraquejo, além de ser, para o homem, uma medida de masculinidade, é pior do que sua própria aniquilação. O homem sente mais medo do fracasso e do sofrimento do que a própria morte.

Como por Hollis em A Sombra de Saturno, a vida do homem é governada pelo medo e o poder do feminino é imenso na sua organização psíquica.

Tudo se inicia na experiência com a mãe pessoal e o anseio pelo carinho, ligação e proteção. A mãe encarna os mais importantes símbolos e desígnios, como a grande protetora, provedora e mediadora do mundo suscetível da criança com o mundo externo.

Antes de emergir e despertar no assustador mundo exterior, a criança compartilha, no útero materno, a bioquímica, a rede neurológica e o sangue de sua mãe, vibrando em consonância com a própria vida dela. A mãe, nesse momento, não tem uma forma clara e consciente, portanto para a criança ela representa o tudo e o todo, é parte e é a própria criança, isto é, não há uma indiferenciação de sua organização com a organização materna. 

É neste sentido que Jung amplifica a concepção de incesto de Freud. A mãe real, para Freud, inconscientemente e literalmente era desejada sexualmente. Jung interpretou, simbolicamente, como o desejo de permanecer neste local de proteção e dependência – o paraíso, onde a criança vive em uníssono com este fluido vital.

Então a criança é forçada a sair do ventre materno para viver as experiências da vida no mundo, e, inconscientemente, anseia pela religação.  Como não é possível o retorno às águas umbilicais a religação, nesta fase da vida, acontece mediante projeção em outros objetos de desejo.

Mas há uma diferenciação da estruturação da psique no menino e na menina em relação às influencias de sua mãe pessoal e as características inerentes ao sexo oposto, que não são conscientes, isto é, a contraparte sexual que carregamos em nossa psique. Jung refere-se a isso como Anima (imagem do feminino que está inconscientemente no homem) e Animus (imagem do masculino que está inconscientemente na mulher)figuras arquetípicas da psique.

Os arquétipos, ideias inatas a priori, formam o inconsciente coletivo, como temas ou imagens de natureza mitológica. São formas universais e atemporais que regulam traços psicológicos e comportamentos humanos. Tem energia própria, mas a sua vivencia é pessoal.

Por isso, a mãe, portadora do arquétipo da vida, confere ao filho a vivencia pessoal com o feminino e influencia o feminino que está no seu inconsciente, com sua personalidade misteriosa. A mãe pode ser aquela que nutre e também devora.

Essa influência do feminino é o principal fluxo de informações que os homens, na sua infância, recebem a respeito de si mesmos e da vida.

Quando essa experiência inicial satisfaz as necessidades psíquicas e orgânicas, o menino representará o feminino como acolhedor e, se sentirá pertencente à vida, amado e protegido. Mas quando a experiência primordial do feminino é condicional ou dolorosa, a ferida será sentida no corpo e na alma, criando resistência e rejeição ao feminino, separando-o da sua Anima. Em ambos os casos, o complexo materno estará presente e será projetado sobre o mundo em geral.

  O complexo materno é um grupo de ideias carregadas de sentimentos, associado com a experiência e a imagem da mãe, portanto pode desenvolver atração ou repulsão. Nas duas polaridades (atração ou repulsão) temos consequências devastadoras relacionadas às expectativas versus realidade e poder.

Experiências que criaram dependência da mãe-seio, àquela que sempre está ofertando para satisfazer e servir as necessidades do filho, estabelecem neste futuro homem, expectativas grandes demais e dimensões irreais, que serão projetadas nos relacionamentos afetivos, transformando as parceiras em mães, e assim, exigindo das suas mulheres a total disponibilidade para a sua “amamentação”, atenção e aceitação.

Tal cenário, desperta no homem, o sentimento de frustração, pois ele jamais será atendido da forma imperiosa, como um dia fora acolhido pela sua própria mãe. Isto é, sua mulher, sob nenhuma circunstância, será tão solicita quanto à imagem desta mãe “positiva” impregnada no inconsciente do menino.   Aquela que fora uma benção se torna também uma maldição.

Esta maldição pode ter um pano de fundo ligado à necessidade desta mãe, viver por meio de seu filho, aquilo que não pôde ou não conseguiu viver. Frustrada, investe sua energia psíquica no domínio de seu filho e na construção de uma “autoridade”, inflando-o com o poder que fora sonegado por seu Animus frágil, inseguro e com competência duvidosa.

Às vezes, este Animus subdesenvolvido da mãe, inconscientemente, promove ao homem capacidades que o levam ao sucesso, nas dimensões do trabalho e produtividade. Porém, nos relacionamentos afetivos, carregados de imagens projetivas desta mãe, a opressão será a condutora para o controle desta mulher, que não consegue atender suas necessidades regredidas. Portanto, neste caso, é ao mesmo tempo um aspecto de regressão e progressão.

Por outro lado, podemos ter também um homem que vivenciou no seu relacionamento primordial, experiências bastante dolorosas e profundas, produzindo traumas e feridas emocionais que se mantem abertas, e com isso, contribuirão para uma perspectiva negativa do elemento feminino, como algo que poderá, potencialmente, trazer e relembrar a dor vivida.

Se, por um lado, temos uma mãe demasiadamente protetora e onipotente que infla a expectativa do menino, temos neste segundo caso, uma negação deste feminino, por se tratar, de um princípio que pode ferir e machucar, como um dia já o fez. Nos dois casos, o feminino está dissociado e distorcido, gerando desconfiança neste homem. 

Este poder psíquico no homem acarreta o medo oculto de um feminino que é, ao mesmo tempo, sedutor e devorador; um feminino obscuro, não entendido e não conhecido no mundo masculino. O medo traz a opressão, a necessidade de poder e de controle para moldar uma mãe-mulher que o homem não teve e quer ter, ou uma mulher-mãe que ele já teve, mas que, inconscientemente, não quer mais a ter, com medo da dependência. O homem oprime aquilo que ele teme, isto é, o medo é o responsável pela opressão.

Pode ainda, este homem, tornar-se tão mais dependente de sua mulher, entregando-se por completo e, assim, anulando suas próprias necessidades, a fim de satisfazer todas as suas exigências e vontades, para que ela preencha o espaço das suas feridas abertas e, portanto, encerre sua dor, que representa, para ele, fraquejo e suscetibilidade. Ou, na introjeção desta “mãe positiva”, espera o homem que, com sua total entrega e submissão, sua mulher seja o feminino conhecido de outrora.

A figura paterna teria um papel importante para transpor o complexo materno ao mundo masculino, mas este pai é tão carente do enraizamento dos elementos organizadores masculino-feminino, tanto quanto seu filho, pois aprenderam como todos os homens, aquilo que representa o machismo e o fascínio pelo poder. 

Ser homem é ter acesso ao seu feminino, ao seu mundo interno, estar conectado à sua própria Anima. Conversar, dialogar e negociar com seus sentimentos para expressar sua totalidade, a fim de tirar a máscara do papel unilateral do poder, que corrompe, estimula o medo e segrega, tornando-o grande competidor, desconfiado do mundo que o cerca. Inclusive de seus pares. 

Palestrante e Trainer em Desenvolvimento Humano, Psicoterapeuta, CEO da Spaço Quality (Gestão da Qualidade de Vida do Trabalhador e EKZISTI (Desenvolvimento Humano).

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