Confundimos o devotamento amoroso com o incondicional, por isso, algumas pessoas atrelam o amor materno à incondicionalidade.
O amor materno é propulsor do desenvolvimento e amadurecimento emocional do bebê e é a base para a sua continuidade de ser. No início, logo após o nascimento, nos primeiros dias, semanas e meses, a mãe renuncia de sua vida se identificando naturalmente com sua criança, cuja dependência, nesta fase, é absoluta. Os cuidados são necessários para que o bebê possa se desenvolver e continuar a ser espontaneamente. Estes cuidados não precisam estar na ordem da perfeição mas devem ser suficientemente bons. E a mãe sabe fazer isso de forma natural e, geralmente, gosta.
Essa adaptação materna irá se flexibilizar à medida das conquistas do bebê, permitindo à mãe retomar seus próprios interesses, num curto prazo. Isto é, é necessário que a mãe retome a própria vida, criando mais flexibilidade para a dualidade mãe-bebê viver uma nova relação, agora mais relativizada, até, um dia, chegarem a uma independência.
Em todo esse trajeto a mãe, suficientemente boa, estará perto e pronta a ajudar. Porém a retomada de sua própria vida, coloca a humanização na pauta, incluindo a maternagem e seu devotamento amoroso às possíveis falhas naturais. Falhas que virão da flexibilidade do atendimento e, também, por conta dos próprios conteúdos inconscientes desta mãe e conscientes, já que existem crenças e valores enraizados em qualquer personalidade.
É necessário entender que a mãe é uma pessoa inteira que carrega sua própria história com todas as nuances e desafios de suas relações iniciais: medos, traumas, dor, desejos e uma série de conteúdos inconscientes. Portanto, a mãe, como todo ser humano, possui personalidade contaminada por elementos conscientes e inconscientes que irão se abarcar de várias situações, onde, mesmo amando, haverá condições psíquicas atuantes. Condições que estão atreladas aos conteúdos inconscientes que geram mecanismos distorcidos de comportamentos, crenças e capacidades.
Se levarmos em conta o conceito de incondicionalidade, precisamos avaliar alguns pontos, antes de chegarmos a questão da existência do amor incondicional. A incondicionalidade pressupõe ausência de condições. Portanto, no momento atual da humanidade, a incondicionalidade seria patológica, pois nesta circunstância teríamos duas possibilidades: ou haveria a anulação da própria personalidade da mãe durante toda a sua vida ou uma resolutividade psíquica de todas as suas questões de vida num nível muito profundo, para que nenhum elemento inconsciente atuasse naturalmente, impondo condições.
É verdadeiro que mães não deixem de amar seus filhos, sobre cenários muito desafiantes, mas incondicionalidade não diz respeito à manutenção do amor e, sim, um amor que jamais carrega a projeção de conteúdos inconscientes. Portanto, o amor humano tem sempre uma condição, já que existem questões inconscientes pairando em quaisquer relacionamentos, mesmo este amor contendo intensidade e devotamento
A incondicionalidade pressupõe uma ampliação de consciência num nível muito profundo e ainda não alcançado pela humanidade, porque ela depende do conhecimento de toda a nossa totalidade, de toda a nossa natureza, incluindo a elaboração de conteúdos reprimidos ao longo da existência do indivíduo. Seria o domínio de si mesmo para que quaisquer elementos inconscientes não fossem projetados em nossas relações, sejam elas quais forem.
Somente aquele que já se aprofundou num si mesmo verdadeiro tem a condição de amar incondicionalmente, sem se anular, porque conhece e entende seus próprios conflitos. Tal pessoa não negaria seu mundo interno, mas seu desembaraço psíquico a permitiria incondicionalmente amar. Isto é, não haveria anulação de si mesmo, nem tampouco, a projeção de suas sombras. Um caminho ainda muito longo para o ser humano comum. Somente mestres cujos conhecimento de vida e de si mesmo em sua totalidade foram profundamente trabalhados, a incondicionalidade já é uma verdadeira forma de amar.